quinta-feira, 23 de abril de 2009

banco alto e uma luneta - capítulo XI – eu eternizada

tenho pensado muito em Ademar... a última semana foi morosa, sem nenhum afogamento após o episódio da “senhora de todas as santas”, nenhuma mulher estatelada se lambuzando de blondor, nenhum entregador de pizza... nem mesmo não-Ademar...
Tenho realmente pensado em Ademar... Como seria minha vida hoje, se estivesse casada com ele? Teria no mínimo quatro filhos, não estaria sendo despejada, teria uma carteira de dinheiro, com dinheiro dentro... e fotinhas 3X4 de toda a prole dentro daqueles plastiquinhos, tão difíceis de se achar hoje em dia.
Penso também, que na mesinha de cabeceira ao lado de Ademar, teria minha foto, vestida de noiva, deixando aparecer meu rosto pendido, dentre flores do campo de meu bouquet. Em seu escritório, foto minha de férias em Porto Seguro... Em seu protetor de tela, no computador, eu, estendida numa pedra de uma cachoeira, quando acampamos na Serrinha... No chaveiro de casa, meu rosto pequenino apoiado suavemente numa rosa vermelha... Na porta da geladeira, eu, numa carroça puxada a boi, no hotel fazenda, nas férias de julho... na estante da sala, em cima do piano (com certeza teríamos um piano), no passa prato, dentro do armário, na escrivaninha do escritório... eu, eu, eu!
Viro minha luneta ao contrário e vejo meu rosto refletido na lente. Ninguém me tem! Ninguém me tem! Uma fotinha que seja... preto e branco ou amassada, digital ou Polaroid... chego à triste conclusão que sou só.
Já escutei por aí, que a fotografia eterniza o momento. Eu, uma brava guardiã de piscina, não seria eternizada por ninguém... seria esquecida, pois não havia quem quisesse uma foto minha. Nem mesmo mamãe.
Quando uma lágrima extremamente salgada acabara de percorrer minha bochecha e já escorria pelo canto da boca, ouço sons estranhos. Me parece conversa entre marcianos. Trroulevous trrébian monamurrr jevébian lafotô... Estarei eu enlouquecendo? Perdendo os sentidos? As pessoas falam e não compreendo nada! Serei trancafiada num manicômio e esquecida, nem uma foto para contar história, comprovar que eu, o banco alto e minha luneta realmente existimos.
Desço rapidamente de meu banco alto. Continuo a escutar pessoas falando e não compreendo nem mesmo uma palavra... Iltravaialapost quésquevuvulêalê mafême. Me sinto desorientada e ponho a mão na testa, verificando a temperatura.
Vejo Sr Irene do outro lado da piscina funda arriscando passos de rumba. Avisto Kleber, o rapaz da faxina. Me aproximo dele. Ele olha para mim com seu olhar nordestino bem normal e começa a falar: Viuaíquiojenumtemistura êtadiretômarmãodivaca quinemumtikdá sómarmitasemistura émacarrãocumovoesó!
Eu estava mesmo enlouquecendo! Nada que Kleber dizia fazia sentido para mim... Sr Telles, o diretor, cutuca o meu ombro... Viu que chique? Até francês agora freqüenta o Piscina Lazer e Cia, fique de olho para que este casal seja muito bem recebido, a divulgação de nosso clube no exterior é de extrema importância para nós... dá status!
Eu entendi! Entendi tudo, tudinho que Sr Telles disse... então não são marcianos, são franceses...
Uma mulher loura e bonita, de pele muito branca e língua enrolada no “erre”. O homem devia ser muito branco, mas no momento, estava tostado de tanto sol brasileiro.
Uma máquina eternizadora! Uma moça, mais jovem, talvez filha, sobrinha ou amiga, tira fotos do casal...
Chego de mansinho e tento me posicionar próximo ao casal. Se mamãe ou Ademar não me tem aqui no Brasil, alguém me terá então na França! Deseternizada é que não ficarei!
Me aproximo sorridente. O casal percebe que estou ao seu lado e se afasta. Só de pensar em minha imagem eternizada pela Europa, me sobe um frisson incapaz de me fazer desistir...
Tento um outro ângulo. O moço torrado de sol parece se incomodar com minha presença e puxa sua francesa pelo braço. Tento uma investida mais agressiva. Num salto abraço os dois, em simultaneidade com o click que me fará eterna enquanto estampa!
O casal monamur se cansa e se senta. A mocinha com a máquina em mãos pensa que me engana.
Percebo o ângulo da máquina e sento numa cadeira, logo atrás do casal simpático. Tenho cara de “tô nem aí” e observo, muito interessada, os urubus sobrevoando a montanha logo ali... Click!
Ao menos uma certeza eu tenho. O nariz e parte do queixo de uma brava guardiã de piscina serão eternizados pelas bandas da Z’oropa!


Leu?
Assista a seguir, filme de trecho do capítulo


3 comentários:

  1. Adorei!
    As participaçoes especiais estao um luxo!!!!

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  2. Sempre muito bom!
    Parabéns,
    Jks

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  3. sei que nao vale nada mais ,eu , gosto de vcs! bjus ! muito divertido,bom texto.

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