quinta-feira, 9 de abril de 2009

banco alto e uma luneta - capítulo IX – bunda no braço

Hoje o vento não sopra, arrota um bafo quente e seco. O calor está mais intenso que ontem, que anteontem e que ante-anteontem.
Mesmo aqui em cima no banco alto, não há brisa. O guarda-sol parece não conter os raios e sinto o sol queimando o topo da cabeça. O suor me desce o rosto e respiro com dificuldade. Abro e fecho os dedos dos pés para refrescar.
De luneta em punho executo meu serviço habitual. Observo banhistas dentro e fora da piscina. Crianças brincam para lá e para cá. A moça que costuma se lambuzar de blondor na beira da piscina, hoje está tranqüila, arrancando pêlos da virilha com pinça.
É interessante. Tem dias em que as pessoas parecem tão normais... Passeio minha lente entre os associados e por todo o pátio. Ôpa! Vejo uma coisa estranha... Volto minha lente procurando o que vejo, sem acreditar. Perdi! Perdi!... Aha, achei! É inacreditável... como alguém teria coragem?
Não, deve ser o calor na cabeça que começa a me fazer delirar... A nécessaire está aqui em cima e resolvo colocar minhas lentes para astigmatismo. Tenho certeza, com lentes, perceberei que o que vejo não é o que realmente vejo!
De lentes e luneta, foco novamente na “coisa” inimaginável. Infelizmente continuo a ver o mesmo. Ainda sem acreditar, coloco também meus óculos de grau. Quem sabe um acúmulo de mesmas funções não consiga me ajudar a ver que o que vejo, não é verdadeiramente o que vejo?
Negativo. Ainda está lá, movimentando-se vagarosamente, sem pressa alguma... Um despautério!
Devo ter uma lupa em algum lugar por aqui em minha nécessaire... Achei! Sabia que além de queimar formigas, ainda encontraria alguma utilidade para ela!
Lentes, óculos, lupa e luneta. Sou mesmo uma pessoa descrente. Preciso tentar, com até o último recurso, ver, que o que eu vejo, repetidas vezes, não é o que vejo...
É. É realmente, verdadeiramente, indubitavelmente uma bunda branca, bem no foco de minha luneta.
Dou um giro com minha lente e vejo que ninguém se espanta. Mais espantoso que uma pessoa estar de bunda de fora num clube familiar, é não existir mais espanto entre as pessoas que vêem um indivíduo de bunda de fora num clube familiar.
Daqui de cima, não enxergo a bunda sem luneta. Preferia advertir um milhão de buços descolorando que uma única bunda de fora.
Desço de meu banco alto e chamo o segurança para me acompanhar na empreitada. Enquanto andamos, penso em como abordar uma bunda passeando livremente. Senhor, sua bunda está de fora... ou, o estatuto do Piscina Lazer e Cia prevê como contravenção, deixar à mostra suas partes traseiras abaixo do Cox e acima das coxas... ou, senhor, sei que o calor está quase insuportável, mas temos crianças no recinto...
Dou algumas voltas pelo pátio e pareço perder o alvo de vista. O segurança me segue e me olha estranho, sem entender por que fora chamado.
Não é possível! Eu vi, através de quatro lentes, glúteos brancos e totalmente desinibidos...
Ponho a luneta no olho direito e tento localizar a bunda. Aháá! Grito, assustando o segurança, que ri, mostrando pilastras de cuspe nos cantos da boca.
Achei a bunda! A enorme bunda há poucos metros de mim e do segurança. Sigo olhando através da lente e andando a passos curtos. Não perco a bunda de vista nem um segundo.
Acho que estou bem perto. Por que o segurança está tão quieto? Já deveria ter reagido diante tal obscenidade! Estou bem próxima do alvo extremamente branco. Resolvo, não sei por que cargas d’água, tardiamente, descer vagarosamente minha lente. Ao movimentá-la para baixo, vejo um antebraço, uma mão e um rosto expressivamente atônito apoiado nela. Geralmente, o que viria logo abaixo de uma bunda, digamos, num corpo normal? As pernas... Aqui tenho um antebraço e um segurança me olhando irritado.
Retiro do olho minha luneta e percebo que estou quase no colo de um senhor de óculos, bigodes, muitos quilos e um braço dobrado abaixo da cabeça, tentando relaxar numa espreguiçadeira.
Desculpe-me senhor! Apenas verificação de rotina... pensei, por um instante, que seu braço dobrado fosse uma bunda branca...
O senhor do braço não deu queixa na diretoria, talvez por que fosse obrigado a mencionar “bunda”. Quanto ao segurança, fui obrigada a sair com ele em troca de silêncio... Ai banco alto querido, até pilastras de cuspe eu enfrento para manter-me ao teu lado...

Leu?
Assista a seguir, filme de trecho do capítulo

3 comentários:

  1. Ainda não consegui assistir o filme, mas adorei o texto...
    Jks

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  2. PARABÉNS. AGORA FICOU + FÁCIL ASSISTIR AO FILME!
    TUDO MUITO BOM. O TEXTO É SUPER.
    SOU ATOR E MORO EM FLORIPA.
    ABÇS
    ARTHUR RIBEIRO FILHO

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  3. Estou com saudades do não-ademar... ele volta??

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