segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

a invisibilidade do outro

um cacho de bananas tem em média 72 bananas, um formigueiro pode abrigar mais de 100 mil formigas, o Brasil comporta um número superior a 170 milhões de habitantes... se quase tudo é feito de múltiplos, por que o homem quer ser um?
não vivi os anos trinta, nem os quarenta ou os cinquenta. Mas vivo, e de olhos arregalados, os anos que iniciam o segundo milênio. Me incomoda imensamente o individualismo e a intolerância que pairam sobre as cabeças de nossos múltiplos.
o bem estar do outro é irrelevante, um cutucão nas costas jamais será para avisar sobre seus sapatos desamarrados, se sua tv por assinatura está fora do ar o problema é teu - digite 1 para receber seu boleto via fax, digite 2 para saber sobre suas faturas em aberto, digite 3 para voltar ao menu principal.
tudo que se refere à vida em sociedade como a troca, parceria e solidariedade está ruindo. Ok, Santa Catarina estava embaixo d'água e o Brasil inteiro, "solidário", enviou suprimentos para os desabrigados... que tal lembrar de voluntários mais que "solidários", que por sorte tinham suas casas secas e bem supridas, que achavam, no meio de doações, casacos "legais" para seus sobrinhos, cesta básica robusta para incrementar a dispensa... o pensamento "um" impera!
se entrar na minha loja e não comprar, dane-se você! Se der mole na pista da direita, te ultrapasso pelo acostamento! Se não tiver "pistolão", que espere ! Se teu filho não acompanha com rendimento máximo a turma da escola, o problema é dele! Se casar comigo e seu corpo não for igual ao do Gianecchini, seu rosto parecido com o do Brad Pitt, pensamentos filosóficos de Platão, religião mista umbando-kardecista e se ainda por cima, não achar o que eu acho, pensar o que eu penso e fazer o que eu faço... supersimples, me separo!
ou meus vizinhos estão cada vez mais invisíveis, ou Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, é muito mais real que supunham nossos milhares de múltiplos espalhados por todo o planeta.

4 comentários:

  1. Adorei "A invisibilidade do outro" !! Além de ser um assunto que me interessa demais, está super bem escrito! Temos vivido todos os dias situações que nos mostram o quanto estamos invisíveis.

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  2. Esse tipo de crítica não vemos no nosso dia a dia. Parabéns pelo lindo texto. Quero mais !

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  3. Oi, Lelê. Sua mãe me passou o teu blog, e cá estou no primeiro comentário deste interessantíssimo post.

    Acredito que este comportamento individualista tem como origem o fim das grandes ideologias (socialismo, comunismo, anarquismo, etc.) e eventos (nazismo, ditaduras, revoluções, etc.) do século passado. Aconteceu uma espécie de desilusão, pois viu-se que nenhuma dessas coisas realmente funciona, certamente porque o problema está na corrupção e ganância inerentes ao Homem. Somado a isso, o mundo ficou com os centros urbanos muito cheios, e a globalização veio para pasteurizar tudo; as pessoas ficaram todas parecidas. Acredito que com isso deu-se lugar ao culto do eu, hoje acentuado com as tais 'filosofias' orientais, pseudo-ciências, e até mesmo as novas tecnologias, como os blogs, flogs, orkuts, MSN e demais itens majoritariamente narcisistas. Talvez uma maneira bizarra de cada um tentar provar sua importância nesse caos moderno; 'comenta no meu blog', 'me add no orkut', 'olha minhas fotos', eu, eu, eu... Embora este seja um fenômeno mundial, eu acredito que o problema de convivência que você citou está mais acentuado nos países de terceiro mundo, onde nem a educação consegue disfarçar esse esquemão maluco. E no Rio de Janeiro então... por algum motivo que desconheço, nessa nossa terrinha reina soberana a máxima 'o outro é um inimigo e vou tirar o máximo proveito disso'. Tem lugar que reflete melhor isso do que o trânsito? :)

    Enfim, o assunto é vasto, e tem muito pano pra manga. Continue com o blog (que por acaso não fala de si, eba!) que está muito bacana.

    Beijos do ex-futuro-eterno vizinho jacarepaguense
    Rafa

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  4. Esse sentimento que você consegue expressar em tão poucas palavras é muito forte e infelizmente muito presente em nossas vidas. Não há um dia sequer que eu não sinta isso. E o pior: assim como "gentileza gera gentileza", o contrário também é verdadeiro. Temos que nos policiar para não fazer o mesmo e devolver com educação e respeito pelo próximo.
    Parabéns Lelê!
    beijo,
    Dani

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